UM DIA, MEIO PERDIDO;
ANDANDO DE PRAÇA EM PRAÇA,
ME ENCONTREI COM ZÉ DOIDO
SORRINDO E ACHANDO GRAÇA.
DIZENDO QUE EM CASA TINHA
UMA BUCHADA PRONTINHA
PRA “NÓS COMER” COM CACHAÇA.
FIQUEI UM POUCO SEM GRAÇA
E MEIO DESCONFIADO,
POIS EU NUNCA VI ZÉ DOIDO
PREPARAR QUALQUER GUISADO.
ZÉ SÓ TEM FAMA NO MUNDO
POR DAR PISA EM VAGABUNDO
E POR DAR GRITO EM SOLDADO.
MAS ZÉ, BASTANTE ANIMADO,
DISSE: “PODE ME AGUARDAR
QUE EU VOU EM CASA CORRENDO,
PROMETO NÃO DEMORAR,
E VOLTO COM A BUCHADA
E QUEM FOR MEU CAMARADA
NÃO SAI SEM DELA PROVAR”.
DISSE E TRATOU DE IR BUSCAR,
E EU FIQUEI ESPERANDO,
JUNTO COM IVO E LULU,
CONVERSANDO E BIRITANDO,
E DEZ MINUTOS DEPOIS,
DO JEITO QUE ZÉ PROPÔS,
O MESMO TAVA VOLTANDO.
ELE VINHA SEGURANDO
UMA PANELA NA MÃO.
DENTRO DA PANELA TINHA
UMA ESPÉCIE DE PIRÃO.
E DISSE: “SÓ TROUXE O CALDO,
POIS O RESTO DO GUISADO
NÃO COZINHOU AINDA NÃO”.
FIZ DAS TRIPAS CORAÇÃO,
PRA COMER DESTE MENU,
POIS COMO ZÉ MESMO DISSE,
O PETISCO TAVA CRU.
E CALDO DE UMA BUCHADA,
MAL FEITA E MAL COZINHADA,
FAZ VOMITAR URUBU.
PORÉM, PRA NÃO TER REBU.
NINGUÉM QUIS FAZER DESFEITA.
E COMEMOS TODO CALDO
DESTA BUCHADA MAL FEITA.
POIS BÊBADO É UMA DESGRAÇA
E PRA COMER COM CACHAÇA,
QUALQUER DESGRAÇA ELE ACEITA.
MAS CONFESSO, ACHEI SUSPEITA
A FRAGRÂNCIA DESSE CALDO.
EU TINHA QUASE CERTEZA
QUE EXISTIA ALGO ERRADO.
MAS QUANDO LULU PROVOU
E DISSE QUE ATÉ GOSTOU
EU FIQUEI MAIS SOSSEGADO.
ZÉ, CONTENTE PRA DANANDO,
DISSE: “AGORA VOU BUSCAR
O PETISCO PRINCIPAL
QUE ACABOU DE COZINHAR.
VÃO TER QUE COMER COMIGO,
E UMA COISA EU LHES DIGO,
VÃO COMER E VÃO GOSTAR”.
E ASSIM, SEM DEMORAR,
BOTOU O PÉ NA ESTRADA.
E LOGO VOLTOU TRAZENDO
NUMA PANELA TAMPADA,
UM TROÇO MUITO ESQUISITO;
ERA O BUCHO DE UM CABRITO,
QUE ELE CHAMAVA “BUCHADA”.
ASSIM ENTREI NA CILADA
MAS NOUTRA DESSA , NÃO ENTRO.
PARTIMOS ENTÃO A BUCHADA,
COMEDO-A A PARTIR DO CENTRO.
POIS DENTRO TINHA UM PICADO,
ATÉ QUE BEM TEMPERADO
COM ALHO, CEBOLA E COENTRO.
NINGUÉM SABIA QUE DENTRO,
JUNTO ÀS MIUNÇAS PICADAS
TINHA AS TRIPAS DO CABRITO,
EM PEDACINHOS CORTADAS.
E ZÉ PICOU SEM PENSAR
QUE TRIPAS PRA SE LIMPAR
PRECISAM SER REVIRADAS.
MAS ESSAS FORAM PICADAS,
DE MODO BEM NATURAL.
OU SEJA: DO MESMO JEITO
QUE SAIU DO ANIMAL,
FEITO COMO NINGUÉM GOSTA;
ISTO É: COM TODA BOSTA
QUE NÃO FICOU NO CURRAL.
SÓ ISTO EXPLICA, AFINAL,
O SABOR DESSA BUCHADA.
ERA UM SABOR ESQUISITO,
NÃO SE COMPARAVA A NADA.
TENTEI MAS SEM RESULTADO,
POIS NUNCA EU TINHA PROVADO
BOSTA MOLE TEMPERADA.
PORÉM NÃO VALEU DE NADA
JÁ ERA TARDE DEMAIS,
POIS JÁ HAVÍAMOS COMIDO
OS PEDAÇOS PRINCIPAIS.
PORÉM, NINGUÉM VOMITOU,
PRA ISTO A PINGA AJUDOU;
LULU ATÉ PEDIU MAIS.
ZÉ DOIDO DISSE; “TEM MAIS,
ESSA PARTE É MAIS GOSTOSA;
É A CABEÇA DO BODE
QUE FIZ MUITO CAPRICHOSA.
TAVA CRUA AQUELA HORA,
MAS JÁ COZINHOU AGORA,
TÁ MUITO BOA E CHEIROSA.
LULU FICOU CURIOSA
E IVO FICOU TAMBÉM,
EU FIQUEI DESCONFIADO
NÃO ESCONDO DE NINGUÉM.
PORÉM, ACABEI CEDENDO,
POIS, SE O CABRA TÁ BEBENDO,
ELE COME QUALQUER “TREM”.
COM POUCO TEMPO ZÉ VEM
COM UMA GRANDE TIJELA.
NA CERTA A DITA CABEÇA
DEVIA TÁ DENTRO DELA.
E EU NÃO ESTAVA ERRADO,
QUANDO O TAMPO FOI TIRADO
BEM NO FUNDO TAVA ELA.
ZÉ TIROU-A DA TIJELA
E EU O ROSTO VIREI;
FOI A CENA MAIS BIZARRA
QUE EU JÁ PRESENCIEI.
O MEU ESTÔMAGO EMBRULHOU,
MINHA CABEÇA RODOU
E EU QUASE VOMITEI.
O QUE EU PRESENCIEI,
NÃO EXISTE NOS ANAIS,
POIS A CABEÇA DO BODE
ESTAVA INTEIRA DEMAIS;
TAVA COM TODOS OS DENTES,
OS OUVIDOS SALIENTES
E OS DOIS OLHOS FRONTAIS.
ATÉ OS SEPTOS NASAIS
ESTAVAM DO MESMO JEITO.
NA BOCA SE VIA A LÍNGUA
QUASE SEM TER UM DEFEITO.
E NA GARGANTA, ERA O FIM,
SE ENCONTRAVA O CAPIM
QUE NÃO DIGERIU DIREITO.
TAVA TUDO TÃO PERFEITO
QUE EXAMINEI COM CUIDADO,
E VI ATÉ QUE ESTE BODE
TINHA UM DENTE CARIADO.
A IMUNDÍCIE ERA TANTA,
QUE A GOELA E A GARGANTA
ESTAVAM EM PERFEITO ESTADO.
OLHEI E FIQUEI PASMADO,
VENDO A CABEÇA ENCARNADA
COM OS OLHOS ARREGALADOS,
E MESMO QUE TEMPERADA,
EU FIQUEI IMAGINANDO
QUE ELA ESTAVA GRITANDO,
“NÃO ME COMA CAMARADA”!
ZÉ PEGA ENTÃO NA QUEIXADA
COM FORÇA DE UM GIGANTE,
E ABRE A BOCA DO BODE,
MOSTRANDO NO MESMO INSTANTE,
DE MODO BEM NATURAL,
OS DENTES DO ANIMAL
NUM SORRISO HILARIANTE.
PORÉM, ZÉ NUM SÓ INSTANTE,
DILACEROU A CARCAÇA,
COMEU ATÉ AS GENGIVAS
E FICOU ACHANDO GRAÇA;
E DEPOIS SORRINDO A MÍNGUA,
COMEU TAMBÉM TODA LÍNGUA
COM UM COPO DE CACHAÇA.
IVO ATÉ ACHAVA GRAÇA.
MAS POR FIM COMEU TAMBÉM.
ACHO QUE SÓ PRA PROVAR
O ESTÔMAGO BOM QUE TEM.
MAS ESSA FOI DE AMARGAR,
NÃO QUE EU QUEIRA ME IMPORTAR
COM ESTÔMAGO DE NINGUÉM.
POIS, IVO TEM UM PORÉM,
QUALQUER COISA ELE CONSOME,
SÓ NÃO OS MEUS TIRA-GOSTOS,
NEM MESMO ESTANDO COM FOME.
PRA MIM, ISTO É COISA À TOA,
POIS SENDO DOUTRA PESSOA,
QUALQUER MISÉRIA ELE COME.
PARECENDO ESTAR COM FOME,
COMERAM COMO DOIS BOIS,
MAS A CENA MAIS DANTESCA
ZÉ FEZ UM POUCO DEPOIS.
COM MUITA PRÁTICA E CAPRICHO,
TIROU OS OLHOS DO BICHO,
DEPOIS COMEU TODOS DOIS.
A CENA QUE SE COMPÔS
DEIXOU A PLATEIA LOUCA;
ZÉ MASTIGOU CADA OLHO,
E NÃO VI DESGRAÇA POUCA
QUANDO ESTOURAVA A RETINA,
FORMANDO UMA BABA FINA
NO CANTO DE SUA BOCA.
DESSA CENA TRÁGICA E LOUCA
EU NÃO CONSIGO ESQUECER;
ACHO QUE EM MIM VAI FICAR
ENQUANTO AQUI EU VIVER.
ESSES ATOS DE TERROR
QUE EU TAMBÉM FUI O ATOR,
LEVO PRA COVA AO MORRER.
PEÇO A DEUS PRA ESQUECER
DAQUELE BANQUETE RUIM.
PORÉM EM MEUS PESADELOS,
ESSA CENAS NÃO TÊM FIM,
E SONHO DE MADRUGADA
COM UM BODE DANDO RISADA
DE “DENTE ABERTO” PRA MIM.
Chico Gabriel – 26/06/2009.
Revisão de texto: Iramara.
Nenhum comentário:
Postar um comentário