HOJE OUVI NA VOZ DO VENTO,
SOPRANDO LÁ DA MONTANHA,
UM SUSSURRO QUE DIZIA:
“MAIS UMA ESTRELA O CÉU GANHA,
E RIO GRANDE DO NORTE
ESTÁ LAMENTANDO A MORTE
DO POETA ZÉ SALDANHA”.
ANTES DE PARTIR, SALDANHA
VOOU NO SEU PENSAMENTO,
E VIAJOU DO SEU LEITO,
MONTANDO AS ASAS DO VENTO,
E SEGUIU NUM RUMO SÓ,
PAIRANDO NO PIATÓ,
TERRA DO SEU NASCIMENTO.
LEMBROU-SE NESSE MOMENTO
DO SEU TEMPO DE MENINO,
MORANDO JUNTO AOS SEUS PAIS,
NESTE RINCÃO NORDESTINO,
E DO LUAR SOBRE A SERRA
CASCATEANDO ESSA TERRA
COM SEU ESPLENDOR DIVINO
LEMBROU QUE FOI TANGERINO,
VAQUEIRO E AGRICULTOR
E, DAS FESTANÇAS MATUTAS,
COM UM FOLE RONCADOR;
E DO PRAZER QUE SENTIU,
NA PRIMEIRA VEZ QUE OUVIU
UM POETA CANTADOR.
LEMBROU DO SEU GRANDE AMOR,
SUA JOVELINA BELA,
QUANDO VIAJAVA LÉGUAS
SÓ PRA NAMORAR COM ELA
SOB A LUZ DE LAMPARINA,
COM UM OLHO EM JOVELINA
E O OUTRO NO PAI DELA.
LEMBROU DA MAGIA BELA
QUE LHE ENVOLVEU CERTO DIA,
QUANDO DE CIMA DA SERRA
SOPROU UMA BRISA FRIA
NA NOITE SERENA E CALMA,
E PERFUMOU SUA ALMA
COM PÉTALAS DE POESIA.
LEMBROU QUE FEZ CANTORIA,
LONGE DE SER UM PACHOLA,
MAS NUNCA FALTOU REPENTE
GUARDADO EM SUA CACHOLA
QUE NÃO TIVESSE UM ENCANTO
PRA ENGALANAR SEU CANTO
CANTADO AO SOM DA VIOLA.
ASSIM SEGUINDO ESSA ESCOLA,
E CONFIANTE EM JESUS,
AOS CÉUS PEDIU PROTEÇÃO
PARA QUE TIVESSE LUZ,
E PODER CUMPRIR A META
DE ENFRENTAR O POETA
JOSUÉ ALVES DA CRUZ.
ASSIM CAPTOU A LUZ
DOS MESTRES DA POESIA,
E QUE TAMBÉM APRENDEU,
COM QUEM BEM POUCO SABIA,
MAS QUE DE FORMA INCISIVA,
FORMAVAM A ESCOLA VIVA
QUE O SERTÃO POSSUÍA.
LEMBROU DA SABEDORIA
DO VELHO JOSÉ ROMÃO,
E DAS FAÇANHAS VIVIDAS
PELO BRAVO MIGUELÃO
QUE USANDO GERINGONÇAS,
ERA O CAÇADOR DE ONÇAS
MAIS FAMOSO DO SERTÃO.
TOMOU OUTRA DIREÇÃO,
E NA SERRA FEZ SUBIDA,
PAIRANDO EM CERRO CORÁ,
ESSA TERRA TÃO QUERIDA
QUE COM AMOR LHE ACOLHEU,
E LEMBROU QUE ALI VIVEU
O MELHOR DE SUA VIDA.
SURGE LOGO OUTRA GUARIDA,
NO SEU VASTO IMAGINÁRIO,
E VEM LOGO CURRAIS NOVOS,
COMPOR O NOVO CENÁRIO.
LEMBROU QUE NESTA CIDADE,
GANHOU POPULARIDADE
COMO POETA EMPRESÁRIO.
E SEU ÚLTIMO ITINERÁRIO,
LOGO SURGE EM SUA MENTE.
FOI A QUERIDA NATAL,
DE CLIMA BEM DIFERENTE.
ESSA AÇÃO FOI MOTIVADA
PARA VER A FILHARADA
COM UM ESTUDO DECENTE.
DISTANTE DO SERTÃO QUENTE,
A SAUDADE LHE DOÍA.
MAS A SUA INSPIRAÇÃO
COM A SAUDADE CRESCIA.
E NO SENTIMENTO EXPOSTO
COM AS LÁGRIMAS DO SEU ROSTO,
ENCHEU RIOS DE POESIA.
LEMBROU-SE COM ALEGRIA
QUE NUNCA ESCREVEU EM VÃO,
DESDE SEUS PRIMEIROS VERSOS
FALANDO SOBRE O ALGODÃO;
TIROU SABER DO SEU COFRE
ATÉ SUA ÚLTIMA ESTROFE,
ENALTECENDO O SERTÃO.
QUE FALOU DE LAMPIÃO,
NO SEU TEMPO E SEU ESPAÇO,
E COMO ESSES BANDOLEIROS
TIVERAM GLÓRIA E FRACASSO
NAS LUTAS COM OS CORONÉIS.
EM DEZENAS DE CORDÉIS
FALANDO SOBRE O CANGAÇO.
QUE FALOU SEM EMBARAÇO
DO CANTO DO SABIÁ,
E DE COMO A SECA BRABA
DEVASTOU O CEARÁ.
PESQUISOU E APRENDEU,
SENDO QUEM MAIS ESCREVEU
SOBRE CORISCO E DADÁ.
PRA LEMBRAR CERRO CORÁ
E TAMBÉM SEU PIATÓ,
CERCOU UM RECANTO PÚBLICO
COM ANGICO E MORORÓ;
ALHEIO A QUALQUER MALDADE,
SÓ PRA CULTIVAR SAUDADE
DAS TERRAS DO
SERIDÓ.
E CULTIVANDO ESSE PÓ,
LOGO UM BOSQUE ALI SURGIA
EM FRENTE AO LUGAR DA TERRA
QUE MAIS SE OUVIU CANTORIA.
LUGAR DE SUBLIME ENCANTO,
ETERNAMENTE UM RECANTO
DEDICADO A POESIA.
LOGO QUE O SOL SE ESCONDIA,
DEIXANDO A LUA PRESENTE
OS MAIORES REPENTISTAS
CANTAVAM NESTE AMBIENTE.
ONDE O SAUDOSO FERREIRA,
JUNTO COM PEDRO BANDEIRA
TROVEJAVAM NO REPENTE.
LAMPEJOU EM SUA MENTE
DE BRAVO SERIDOENSE,
QUE TER ALMA SERTANEJA
ERA SEU MAIOR PRESENTE.
MAS NESSE RECANTO UM DIA,
RECEBEU A HONRARIA
DE “CIDADÃO NATALENSE”.
LEMBROU DO CERROCORENSE,
JOSÉ COSME MILANEZ,
QUANDO CHOROU SUA MORTE
NOS VERSOS TRISTES QUE FEZ;
PEDINDO A PENA DIVINA,
PRA AQUELA MÃO ASSASSINA
QUE FEZ ESSA INSENSATEZ.
DOS TANTOS CORDÉIS QUE FEZ,
NEM SE LEMBROU MAIS DE TUDO;
PORÉM, FICOU NA MEMÓRIA,
QUEM LHE EXIGIU MAIS ESTUDO,
COMO ANTÔNIO CONSELHEIRO,
O PADRE DO JUAZEIRO,
FREI DAMIÃO E CASCUDO.
BEM INFORMADO DE TUDO,
VERSAVA A INFORMAÇÃO
COM RIQUEZAS DE DETALHES,
FAZENDO A REVELAÇÃO
EM CAPÍTULO APÓS CAPÍTULO,
O QUE LHE VALEU O TÍTULO
DE REPÓRTER DO SERTÃO.
DESCREVEU COM PRECISÃO
QUANDO O DESTINO MESQUINHO
USOU SUAS GARRAS HOSTIS,
ATACANDO DE MANSINHO,
COM UM GOLPE TORPE E FATAL,
O ROUXINOL DE NATAL
NOSSO ZÉ ALVES SOBRINHO.
PADECENDO EM DESALINHO,
CONTOU DA SUA MANEIRA,
DE COMO A VIDA É INJUSTA
E, ÀS VEZES, TRAIÇOEIRA.
NARRANDO A MORTE CRUEL
QUE ARREBATOU PRA O CÉU
O GRANDE VATE FERREIRA.
LEMBROU QUE DE BRINCADEIRA,
FEZ VERSOS DE HUMOR PURO
SOBRE OS POLÍTICOS SAFADOS
QUE VIVEM EM CIMA DO MURO.
E, SOBRE QUEM CALUNIA,
ESCREVEU COM MAESTRIA,
“A MULHER DO DEDO DURO”.
VISLUMBROU O SEU FUTURO
NA PÁTRIA DA IMENSIDÃO,
E VINDO PRA RECEBER-LHE,
MIL POETAS EM COMISSÃO,
TENDO A FRENTE “CANHOTINHO”,
XUDU, BANDEIRA E MARINHO,
FONSECA, DIMAS E
“CANCÃO”.
VIU TAMBÉM NA COMISSÃO,
OUTROS VATES DE PRIMEIRA,
COMO LOURIVAL BATISTA,
ADERALDO E CATINGUEIRA;
E, NA MESMA COMITIVA,
VIU LEANDRO E PATATIVA;
PINTO, ZÉ DUDA E NOGUEIRA.
TENTOU DE TODA MANEIRA
MAS NÃO VIU TODA ACOLHIDA,
POIS A FILA DOS POETAS
ERA BASTANTE COMPRIDA,
QUE A PÁTRIA CELESTIAL
É O DESTINO FINAL
DE QUEM ENALTECE A VIDA.
SAUDANDO A SUA SUBIDA
VIU OS GRANDES MENESTRÉIS
DECANTANDO A SUA OBRA,
DIGNA DE LOUROS E ANÉIS
QUE, DE FORMA ORGANIZADA,
SE ENCONTRA REGISTRADA
EM CENTENAS DE CORDÉIS
NO SONHO VIU SEUS CORDÉIS,
BEM EXPOSTOS NUM MURAL.
VIU TAMBÉM SEUS ALMANAQUES
NA FACHADA PRINCIPAL.
E VIU, NA PARTE DE CIMA,
A SUA GRANDE OBRA PRIMA,
“MATUTO NA CAPITAL”.
TERMINA O SONHO AFINAL,
TUDO É REAL NOVAMENTE,
MAS RESTA FORÇA A SALDANHA,
PRA CLAMAR AO ONIPOTENTE
MAIS SABER PARA QUEM PREZA
E PERDÃO PRA QUEM DESPREZA
O CORDEL E O REPENTE.
E SENTINDO A VIDA AUSENTE
SALDANHA RUMOU PRA O CÉU,
E, SE LÁ NO CÉU TIVER
CANETA, TINTA E PAPEL,
SE SÃO PEDRO CONCORDAR,
SALDANHA VAI CONFESSAR
SEUS PECADOS NUM CORDEL.
Chico Gabriel – 09/08/2011.
Editado em 30/10/2013.
