sábado, 10 de setembro de 2016

PRONTO PARA A LUTA

Estou pronto para a luta,
apreensivo, é verdade.
Mas não fujo da disputa,
não sou assim, tão covarde.
O adversário é forte,
preciso de muita sorte
pra perder com hombridade.

No tatame da idade,
vim lutar com um inimigo,
sabendo que o adversário
só oferece perigo.
É desleal na disputa,
mas vou prorrogar a luta,
fugindo do seu castigo.

Terceira idade eu lhe digo,
pra lutar contigo eu vim.
Vou lutar, mas tô sabendo
quem ganha e perde no fim.
Porém, eu lhe peço paz,
não me machuque demais,
tenha compaixão de mim.

Não seja covarde assim,
que tenho força pequena.
Sei que você tem a fama
de agir como uma hiena,
mas eu, que sou sonhador,
não quero ter tanta dor,
seja branda em sua pena.

Vivo como uma falena,
que cultivou a saudade.
E, dos sonhos que sonhou,
viveu menos da metade.
Contigo eu luto sabendo
que você finda vencendo,
mas lute com lealdade.

Te digo, terceira idade,
fugir da luta não vou.
Sou um lutador leal,
e um aviso te dou:
uso como arma a cruz,
e declaro que Jesus
como filho me adotou.

Fim – 21/03/2016

Poesia feita no dia que o autor entrou na terceira idade.


Prólogo do Chico

Francisco Ribeiro Lima,
é meu nome no papel,
porém, se escrevo versos,
feito em forma de cordel,
não me faço de rogado,
no final deixo assinado
como “Chico Gabriel”.
2
Sempre admirei cordel,
e sobretudo o repente,
mas comecei fazer versos,
num tempo já bem recente.
E, se Jesus me ajudar,
eu só pretendo parar
depois que ficar demente.
3
Eu tenho verso na mente,
porém, me faço entender
que a minha vida não deixa
como poeta viver.
Mas também tenho por meta,
de mesmo sem ser poeta,
sempre ser metido a ser.
4
Contemplo ao amanhecer,
o dia no seu começo,
e, à noite, o firmamento
com todo seu adereço.
Mas não me sinto facundo,
sou um escravo do mundo
e poético pelo avesso.
5
Pedro Velho foi meu berço,
Natal é minha cidade.
Dos anos que Deus me deu,
já vivi mais da metade.
Não sou triste nem risonho,
sou um plantador de sonho,
da seara da saudade.
6
Fui fruto da claridade
de uma noite muito bela.
Só o céu foi testemunha
dessa cena de aquarela.
O chão foi a grande cama,
o cobertor foi a grama
e um pirilampo foi vela.
7
Com essa cena singela
a vida, outra vida fez.
E, nove meses passados,
ou pouco antes talvez,
como partícula divina,
vim cumprir a minha sina
de plantar na aridez.
8
Nasci em cinquenta e seis,
em pleno século passado.
Sendo vinte um de março,
conforme está anotado.
Num casebre pequenino,
vim caminhar no destino
que Deus me havia traçado.
9
Cheguei num lugar marcado
pela pobreza voraz,
um ambiente perdido
no meio dos matagais.
Vivíamos da incerteza,
dos frutos da natureza,
num misto de guerra e paz.
10
Como em tudo que Deus faz,
a sentença é proferida,
não permitiu que eu nascesse,
com fortuna garantida,
e pra melhor me julgar,
me fez nascer num lugar,
pra batalhar pela vida.
11
Deus me mandou para a vida
com a sublime missão
de, sendo um pinto pequeno,
ter que vencer gavião
e, sem qualquer aparato,
me deu força de um gato
pra ter que matar leão.
12
Seguindo na contramão,
grandes batalhas venci
mas, no caminho da vida,
eu acho que me perdi
no deslumbre das paisagens,
que eram todas miragens
dos sonhos que não vivi.
13
Meus castelos construí,
mas hoje só tem função
de guardar sonhos perdidos,
vencidos pela razão.
E surgem até como afrontas,
para armazenarem as contas
de um rosário de ilusão.
14
Se, com nova encarnação,
outra vida perpetua,
quero ser de novo alguém
que ame o campo e a rua,
mas contemple o firmamento,
nade nas ondas do vento
e namore com a lua...
15
E, se a vida continua,
quero deixar como herança
os meus tesouros de sonhos
que ficarão na poupança,
como regalos singelos,
pra construir os castelos
de quem cultiva esperança.
16
E, renascendo criança,
quero de Deus mais justiça.
Não vou querer cruz de ferro,
nem de madeira maciça,
eu peço ajuda a Jesus
pra ter uma nova cruz
toda feita de cortiça.*

* a última estrofe foi inspirada uma quadra atribuída ao boêmio e poeta
natalense “Zé Areia”.
“Prólogo do Chico” são fragmentos de: “Minha Biografia” – 2008 e “Testamento de um Sonhador”, 2010, revisadas e ampliadas;
Chico Gabriel – 18 de fevereiro de 2016.



QUER MATAR O POETA MATE O SONHO, QUE O POETA SEM SONHO SE LIQUIDA

No ano de 2009, eu, iniciante dos versos, ouvi um mote do poeta José Lucas de Barros, que dizia: “quer matar o poeta, mate o sonho, que o poeta sem sonho se liquida”. Eu fiquei encantado por esse tema, e resolvi de forma muito singela, glosar esse mote. Nunca tive a coragem de mostrar ao mestre. Porém, no dia de sua partida eu tive coragem e publiquei em uma rede social, como forma de homenageá-lo. Segue:
Não destrua o mundo do poeta,
não lhe faça um ato tão insano,
pois seu mundo de sonho é soberano
e viver desse sonho é sua meta.
Se a vida real é tão incerta,
o poeta num sonho leva a vida.
Para ter sua vida garantida,
faz do sonho a fuga do medonho.
Quer matar o poeta, mate o sonho,
que o poeta sem sonho se liquida”.

No seu reino de sonho e ilusão,
não divide o real da fantasia.
Vai vivendo o seu sonho noite e dia,
pra manter sempre vivo o coração.
O real para ele é contramão,
só o sonho dá vida a sua vida.
Sem o sonho, seu mundo é sem saída
e seu céu sem estrelas é bem tristonho.
Quer matar o poeta mate o sonho,
que o poeta sem sonho se liquida”.

Nunca mate o sonho de alguém,
que na vida só vive pra sonhar.
Pois, sem sonho, não dá pra suportar
as agruras de amor que a vida tem.
Sem sonhar, nunca passa de ninguém,
se sonhar, sua estrada é garantida.
No jardim uma simples margarida,
vai tornar o seu tempo mais risonho.
Quer matar o poeta, mate o sonho,
que o poeta sem sonho se liquida”.

Sendo assim, peço até por caridade,
não destrua do vate a fantasia.
Pois, no sonho o poeta versa e cria,
só o sonho lhe traz felicidade.
Eu suplico, não faça essa maldade
de deixar uma alma destruída.
E a morte de um sonho é tão doída
que seu dono definha de bisonho.
Quer matar o poeta, mate o sonho,
que o poeta sem sonho se liquida”.

Mote do professor José Lucas de Barros.

Glosa: Chico Gabriel – 20-04-2009.

PASSEIO FANTÁSTICO PELA NATAL DE ANTIGAMENTE (Personagens, lugares, loucos e boêmios do passado de Natal)

01
Revivendo o passado de Natal,
o ponteiro do tempo eu atrasei.
Por um mundo de sonhos divaguei,
misturando o fantástico e o real.
Adentrei num enredo colossal,
como um pássaro que voa livremente.
Resgatei este tempo pra o presente,
para ver o meu sonho concretizado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
02
Mais de um século do tempo revirei,
começando no bairro da Ribeira.
Como ave noturna e sorrateira,
num antigo bordel eu adentrei.
Vi um jovem de terno e constatei
um boêmio de um tipo diferente,
recitando um poema comovente,
apesar de bastante embriagado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
03
Era o grande poeta Itajubá
que fazia da noite o seu abrigo.
Perto dele, sequer tinha um amigo,
só a casta mundana estava lá.
Muito tempo se foi de lá pra cá,
mas unindo o elo da corrente,
num recanto sutil de minha mente,
cada verso pra sempre foi guardado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
04
Noutro dia de sol límpido e desnudo,
pelo túnel do tempo eu circulei
e, nas ruas das virgens, eu encontrei
um mancebo saindo para o estudo.
Esse garbo mancebo era o Cascudo,
imortal no passado e no presente,
sendo mestre que reina eternamente
como o nome maior do nosso Estado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
05
Pesquisando a cultura popular,
foi Cascudo, o maior entre os mortais.
Estudante das causas informais,
dedicou sua vida a pesquisar.
Sua obra tratou de registrar
a magia que vive em nossa gente.
Pesquisou a cultura do repente,
do batuque, das danças e do reisado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
06
Apoiou os folguedos populares,
seu quintal parecia um picadeiro.
Com brincantes dançando no terreiro
sob a lua, fazendo seus cantares,
pois, no mestre, buscavam seus pilares,
pra mostrar sua arte abertamente.
Neste espaço cantou brilhantemente,
Chico Antônio no coco improvisado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
07
Com as asas do tempo me agarro,
e adentro no Carneirinho de Ouro.
Neste tão pitoresco logradouro,
eu encontro o pintor Newton Navarro,
que depressa fumava o seu cigarro,
tendo à frente um copo de aguardente.
Seu Tavares também se faz presente,
noutra mesa tomando o seu traçado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
08
Misturado no tempo e na razão,
visitei noutra noite o Wander Bar.
Era um ponto de encontro militar
e pessoas com certa posição.
Uma lua vertia o seu clarão
sobre as águas do Potengi dolente.
A quimera floriu na minha mente
e me fez divagar mesmo acordado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
09
Me lembrei que esse bar já foi outrora,
do governo, a sede oficial.
Foi o prédio mais alto de Natal,
e se mostra imponente até agora.
Demorei no local por mais de hora,
depois fui caminhando e, logo à frente,
na segunda esquina adjacente,
penetrei por um beco mal traçado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
10
Contemplei no recinto um marinheiro
na calçada flertando uma pequena.
Neste beco chamado “Quarentena”,
uma dama catava um companheiro,
procurando ganhar algum dinheiro,
exibindo o seu busto saliente.
Seu passado lhe deu como presente
carregar este fardo de pecado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
11
Vagueando ainda na Ribeira,
penetrando por becos e vielas,
alcancei a Travessa das Donzelas,
sob a lua errante e bandoleira.
Vislumbrei uma roda seresteira,
com “donzelas” marcando o ambiente.
Contemplei e, depois, segui em frente,
dando asas ao sonho inusitado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
12
Na Tavares de Lira, noutro dia,
encontrei Zé Areia na calçada,
como sempre fazendo presepada,
e o público em volta lhe aplaudia.
Recitando em forma de poesia,
tudo aquilo o que vinha em sua mente.
Personagem bastante irreverente,
pela lei da trapaça foi marcado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
13
Zé Areia, que foi de tudo um pouco,
foi barbeiro, mascate e jogador.
Ardiloso com ar de professor,
sendo misto de gênio, vate e louco.
Declamava que até ficava rouco
suas trovas, movido a aguardente.
Foi dotado da arte do repente,
sendo bamba no verso improvisado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
14
Pra falar deste astuto um pouco mais,
e de suas astúcias quase insanas,
foi jogral para as tropas americanas,
e até visitou os seringais.
Teve amigos nas rodas sociais,
dentre eles até um presidente,
de quem quis um emprego de presente,
no entanto, esse pleito foi negado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
15
Fiz, assim, esse ponto especial,
para quem no humor merece um prêmio,
por ter sido o boêmio mais boêmio
que viveu na cidade do Natal.
Hoje mora no campo sideral,
porém sua herança irreverente
viverá entre nós eternamente,
no que foi sobre ele publicado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
16
E, seguindo um trajeto pontual,
sobre um tempo que foi realidade,
caminhei para o centro da cidade,
coração desta nossa Capital.
O Café Grande Ponto era a central
de boatos que mais juntava gente.
O Café Avenida, quase em frente,
competia com ele lado a lado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
17
Grande Ponto eterno na memória,
para quem seu espaço frequentou.
Até mesmo pra quem só contemplou
sua pompa, seu êxito e sua glória.
Grande Ponto faz parte da história,
foi extinto, mas vive no presente,
pois seu nome brotou como semente,
e ficou para sempre eternizado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a natal de antigamente.
18
Grande Ponto de encontros memorais,
de políticos marcando posição.
Neste espaço, Djalma Maranhão
discutia ideias geniais.
Tendo à frente Cascudo e outros mais,
debatiam a cultura abertamente
e, surgindo um assunto diferente,
do esporte falava João Machado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
19
Noutra noite deserta, eu contemplava
uma lua no céu vagando à toa.
Decidi ir até Maria Boa,
a boate que mais se propagava.
Pois, se um solitário lá chegava,
logo que adentrava o ambiente,
uma moça surgia em sua frente,
ostentando um casaco decotado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente
20
Numa tarde silente de domingo,
resolvi optar por um cinema.
Era um filme com Giuliano Gemma,
que na tela brilhava como Ringo.
O enredo, de bom, não tinha um pingo,
mas a gente curtia alegremente.
Foi o Rex o cinema mais pungente,
e o “Nordeste” era o mais sofisticado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
21
E, de noite, depois que a lua veio,
vislumbrei um cortejo colossal.
Só então percebi que o carnaval
alcançava também meu devaneio.
Numa rua, brincavam no seu meio,
foliões que pulavam intensamente,
perseguindo a um corso à sua frente,
conduzindo rei momo entronizado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
22
Muitos blocos formavam esse cortejo,
como Apaches, Chefões e Magnatas.
No “Ressaka”, mulatos e mulatas
encantavam com garra este festejo.
Os passistas mostravam seu traquejo,
sobre frevos tocados alegremente.
Seu Raimundo, bastante irreverente,
desfilou de mulher fantasiado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
23
E lembrei que, na tarde desse dia,
me entretive dançado a matinê,
que rolou lá na sede do ABC,
e, depois, teve um baile à fantasia.
O América, voltado à burguesia,
tinha o baile de máscaras mais pungente.
A elite marcava esse ambiente,
os plebeus tinham acesso limitado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
24
De manhã, sob a luz do sol brilhante,
fui à praia flertar umas donzelas.
E usei como ponto o Caravelas,
bar singelo que foi o mais marcante
para a vida do solitário errante,
que na praia buscava sutilmente
um alguém que cruzasse seu batente
pra voltar do passeio acompanhado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
25
E, depois de tomar o banho de mar,
como a minha paquera foi em vão,
embarquei na primeira lotação
e no Lira parei para almoçar.
Restaurante famoso e popular,
para quem ostentava uma patente,
onde todo político espertamente
se exibia pra ser cumprimentado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
26
E, à noite, deitado em minha cama,
certas cenas passadas recordei.
Me lembrei que um dia frequentei
Casarão, Ideal e Alabama.
Francesinha, que tinha muita fama,
e o Rosa de Ouro, mais à frente.
Logo o Plaza surgiu na minha mente,
Acapulco também se fez lembrado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
27
A lembrança remota também traz,
num coreto bem próximo da matriz,
Menininho tocando bem feliz,
decantando o seu caixão de gás.
Este artista que foi o mais sagaz
sanfoneiro nascido em nossa gente.
Tinha estilo bastante irreverente,
só tocava dançando o seu gingado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
28
Outro músico burlesco veio a mim,
o famoso artista Zé Minhoca.
Para vê-lo tocar sua engenhoca,
fui um dia à feira do Alecrim.
Zé Minhoca, que teve um triste fim,
ingerindo um copo de aguardente,
mas tocava vertiginosamente,
apesar de tocar embriagado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
29
Recordei outros vultos populares,
que viveram na nossa capital.
Paulo Maux, nosso rei do carnaval,
foi destaque nas terras potiguares.
Exibindo seus dotes singulares,
se mostrando alegre e sorridente.
Severino Galvão, seu oponente,
era o rei do protesto inconformado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
30
Entre os loucos queridos da cidade,
me lembrei do pateta Lambretinha,
de Corisco, rezando a ladainha,
e do tão genial Velocidade.
Mula Manca, política de verdade,
Severina, rainha independente.
Doutor Choque, bastante contundente,
defendendo com garra seu cercado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
31
Rocas ás Quintas”, que era na verdade
Júlia Augusta, nascida em Caicó,
conhecida em todo Seridó
como mestra de grande qualidade.
Militante política da cidade,
jornalista bastante combatente.
Mas viveu em Natal como indigente,
sem ter nunca o segredo revelado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
32
Me lembrei de Jerônimo do Sucesso,
viandante do bairro da Ribeira
que, com vários cordéis na algibeira,
aos embarques dos ônibus tinha acesso.
Pra vender mais depressa cada impresso,
declamava os folhetos abertamente.
De repente sumiu do ambiente,
mas deixou no espaço o seu legado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
33
Dos dois padres, distantes da matriz,
para mim todos dois foram notórios.
Padre Mário, fazendo seus casórios,
pra zombar da política, Zé Luiz;
comentando falou tudo que quis,
mesmo tendo a censura pela frente.
Foi um padre bastante diferente,
por ter sido um padre bem casado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente.
34
Da política, lembrei das passeatas
que haviam na nossa capital.
Cada qual atacando a seu rival,
destilando promessas e bravatas.
As figuras bastante caricatas
procuravam engodar cada inocente.
Essa luta foi mais irreverente
nas disputas do verde e do encarnado.
Mergulhei nas entranhas do passado
pra viver a Natal de antigamente
35
Terminando o meu sonho colossal,
que fundiu o real e a fantasia,
escrevi tudo em forma de poesia,
como pétalas tiradas de um bornal.
Pra brindar a cidade do Natal,
seus anais, seu espaço e sua gente,
como mimos mandados pro presente,
desse tempo que estava engavetado.
Pra mostrar das entranhas do passado
como foi a Natal de antigamente.

Chico Gabriel – 25/08/2015