sábado, 10 de setembro de 2016

Prólogo do Chico

Francisco Ribeiro Lima,
é meu nome no papel,
porém, se escrevo versos,
feito em forma de cordel,
não me faço de rogado,
no final deixo assinado
como “Chico Gabriel”.
2
Sempre admirei cordel,
e sobretudo o repente,
mas comecei fazer versos,
num tempo já bem recente.
E, se Jesus me ajudar,
eu só pretendo parar
depois que ficar demente.
3
Eu tenho verso na mente,
porém, me faço entender
que a minha vida não deixa
como poeta viver.
Mas também tenho por meta,
de mesmo sem ser poeta,
sempre ser metido a ser.
4
Contemplo ao amanhecer,
o dia no seu começo,
e, à noite, o firmamento
com todo seu adereço.
Mas não me sinto facundo,
sou um escravo do mundo
e poético pelo avesso.
5
Pedro Velho foi meu berço,
Natal é minha cidade.
Dos anos que Deus me deu,
já vivi mais da metade.
Não sou triste nem risonho,
sou um plantador de sonho,
da seara da saudade.
6
Fui fruto da claridade
de uma noite muito bela.
Só o céu foi testemunha
dessa cena de aquarela.
O chão foi a grande cama,
o cobertor foi a grama
e um pirilampo foi vela.
7
Com essa cena singela
a vida, outra vida fez.
E, nove meses passados,
ou pouco antes talvez,
como partícula divina,
vim cumprir a minha sina
de plantar na aridez.
8
Nasci em cinquenta e seis,
em pleno século passado.
Sendo vinte um de março,
conforme está anotado.
Num casebre pequenino,
vim caminhar no destino
que Deus me havia traçado.
9
Cheguei num lugar marcado
pela pobreza voraz,
um ambiente perdido
no meio dos matagais.
Vivíamos da incerteza,
dos frutos da natureza,
num misto de guerra e paz.
10
Como em tudo que Deus faz,
a sentença é proferida,
não permitiu que eu nascesse,
com fortuna garantida,
e pra melhor me julgar,
me fez nascer num lugar,
pra batalhar pela vida.
11
Deus me mandou para a vida
com a sublime missão
de, sendo um pinto pequeno,
ter que vencer gavião
e, sem qualquer aparato,
me deu força de um gato
pra ter que matar leão.
12
Seguindo na contramão,
grandes batalhas venci
mas, no caminho da vida,
eu acho que me perdi
no deslumbre das paisagens,
que eram todas miragens
dos sonhos que não vivi.
13
Meus castelos construí,
mas hoje só tem função
de guardar sonhos perdidos,
vencidos pela razão.
E surgem até como afrontas,
para armazenarem as contas
de um rosário de ilusão.
14
Se, com nova encarnação,
outra vida perpetua,
quero ser de novo alguém
que ame o campo e a rua,
mas contemple o firmamento,
nade nas ondas do vento
e namore com a lua...
15
E, se a vida continua,
quero deixar como herança
os meus tesouros de sonhos
que ficarão na poupança,
como regalos singelos,
pra construir os castelos
de quem cultiva esperança.
16
E, renascendo criança,
quero de Deus mais justiça.
Não vou querer cruz de ferro,
nem de madeira maciça,
eu peço ajuda a Jesus
pra ter uma nova cruz
toda feita de cortiça.*

* a última estrofe foi inspirada uma quadra atribuída ao boêmio e poeta
natalense “Zé Areia”.
“Prólogo do Chico” são fragmentos de: “Minha Biografia” – 2008 e “Testamento de um Sonhador”, 2010, revisadas e ampliadas;
Chico Gabriel – 18 de fevereiro de 2016.



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